quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Isto sim é auto-ajuda

Seguindo os conselhos de algum livro de auto-ajuda famoso, Joana deu novo rumo à vida. Tomou coragem de se divorciar, comprou passagens para o nordeste, deixou a filha com o ex-marido e foi curtir. Foi se curtir.

Mala pronta. Sim, no singular, mala. Levaria apenas uma mala e isso era uma vitória para Joana, que esperava inaugurar seu novo-eu na Bahia. Com ela, estava viajando o livro da Marta Medeiros a tira-colo. 

Os emails estavam todos respondidos e o taxi estava à espera lá embaixo, na portaria do prédio, rumo ao aeroporto, naquela manhã nublada de novembro. Iria ao encontro dos dias de férias que prometera há uns dois, três anos para si mesma, mas que nunca teve coragem de cumprir. O destino do corpo, o nordeste, era conhecido e bastava que o piloto soubesse o caminho. Mas quem disse que ela conseguiria manter a cabeça longe dos problemas daqui?

Curtindo muito e curtida de sol, depois de dois meses indo de praia em praia, da Bahia até o Maranhão, Joana começou a sentir que estava faltando algo. Os dois dias iniciais foram se esticando, passando uma semana, duas. 

Quando viu, já estava criando raízes. Não faltava sol, nem águas, salgada e doce para Joana. Também não era falta de gente que ela sentia. Afinal, passando dois meses no nordeste, o que ela mais fez foi ver gente nova. Como ainda tinha muito o que visitar, ela achou que o que faltavam eram pontos turísticos registrados em sua câmera e na sua memória.

Assim, o fez. Pegou sua bolsa, junto com sua Nikon L110 e foi desbravrar o desconhecido, na tentativa de ocupar aquele vazio que permanecia. Olhava, admirava e registrava. Registrava, olhava e apagava. Um processo que a encantava. Conheceu muitos lugares especiais, porém, o que Joana não sabia era que estes momentos passavam. 

Como o vento que lhe tocava, assim eram estes momentos: efêmeros,quase impossíveis de segurar. E aquele vazio, supostamente preenchido, permanecia lá... inconsciente, sombrio, complexo. Joana, no fundo, sabia que precisava de mais... algo além do que o livro de Marta podia oferecer.

Algo superior ao conteúdo de um livro, à aura de uma bela paisagem capturada por uma bela foto, através de um bom equipamento. Dinheiro, tinha. Marido, tinha. Empresa, também tinha. A segurança de uma vida mediana era tudo que não queria. E os ventos do nordeste moveram para sua cabeça a ideia de que havia se tornado tudo que não queria ser. 

Chegou aos mais de trinta e concluía, na Bahia, que não construiu nada, que só havia reproduzido. Das fotos aos anseios de seus pais por uma filha competente e bela como as paisagens nordestinas; nada ali era seu de verdade. Joana não era quem queria ter sido. No entanto, sorriu. Pois pensou "ao menos não morri antes de descobrir que não sou eu".

Um comentário:

  1. Muito bom heim, pena não ter participado desse! Mas acho que a Joana deveria ter esquecido um pouco os problemas mas sem esquecer a sua identidade.

    Muito Bom mesmo!

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