Carla
entrou no trem correndo, como sempre acontece, depois de levantar cedo,
acordar os filhos, sair de casa com o marido para deixar as crianças na
escola, quase cair ao atravessar a rua, subir escadas, revirar a bolsa
por causa do vale-transporte, ignorar olhares intencionados e mal
intencionados e subir escadas. Pronto, tudo isso em apenas um décimo do
dia em que luta para ficar com os olhos meio abertos.
Cansada
da rotina puxada, Carla percebeu que algo faltara a ela. Não era uma
roupa, uma casa, um emprego: era apenas alguns momentos de descanso.
Naquele dia, resolveu que precisava de uma dose de coragem e disse a si
mesma: "hoje, vou me dar 24 horas de liberdade!". Então resolveu não
descer no ponto em que normalmente descia. Ela estava livre, não
existiam pontos que a pudessem deter. Carla não sabia aonde ia, mas
tinha certeza que chegaria a algum lugar.
Logo
que chegou na Princesa Isabel, Carla passou as mãos no cabelo, arrumou a
barra da saia, puxou a corda e desceu do ônibus na metade do caminho,
bem distante do trabalho. O trajeto da Penha ao Leblon, normalmente duas
horas de seu dia, foi encurtado. Carla começou a caminhar do Leme em
direção ao Posto 6. Depois de quase uma hora de caminhada, puxou uma
pasta da bolsa, colocou sobre o banco e ficou olhando para o rosto
imóvel do Drummond.
Ali
pensou sobre poesia, arte e várias coisas das quais gostava, mas que
tinham se perdido no tempo e nas obrigações. Mas aquele dia não era o
momento de pensar em obrigações, afinal era um dia de liberdade. Carla
resolveu tirar os sapatos e caminhar na areia da praia. Foi até o mar e
as águas frias de Copacabana molhavam delicadamente os seus pés. Naquela
hora, Carla percebeu que a felicidade estava em coisas simples e que às
vezes, para sermos felizes, precisamos pensar um pouco em nós.
No
meio dos pensamentos, o celular tocou. Era o chefe. Carla atendeu
pensando na resposta que daria ao choque de realidade. Afinal, as
obrigações sempre batem a porta até mesmo dos libertos. As 24 horas
teriam de ficar para trás e se resumir nas ultimas duas, mas quem se
importa com o tempo? Carla estava livre de dentro pra fora.